sábado, 30 de março de 2013

O PAPA E A BESTA


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O Papa Será a Besta do Apocalipse?


Por Hermes C. Fernandes

Desde o anúncio que Bento XVI renunciará seu pontificado, as redes sociais têm sido invadidas por estudos escatológicos que afirmam que o próximo Papa será ninguém menos que a Besta do Apocalipse. Ora, já vivi o bastante para não dar qualquer crédito a este tipo de especulação profética.


Muita coisa já foi dita e escrita acerca das bestas do Apocalipse, criando-se todo um folclore acerca do assunto. Basta que surja algum novo personagem proeminente no cenário político ou religioso mundial, para que seja considerado forte candidato ao posto. Homens como Hitler, Mussolini, John Kennedy, Ronald Reagan, Gorbachev, são alguns deles. Nem o Papa João Paulo II foi poupado. Há quem acredite que depois da renúncia do atual Papa, seu predecessor ressuscitará e retornará ao cargo.


O inegável é que não falta imaginação. Mas será que tais especulações merecem algum crédito? Teriam apoio bíblico?


Vamos procurar, à luz das Escrituras, identificar essas bestas, e saber qual o seu papel na execução dos propósitos de Deus.


A Besta que emerge do Mar


A primeira Besta vista por João surge do mar. Dentro da simbologia apocalíptica, o mar representa os gentios, como podemos conferir em Ap.17:15: “As águas que viste (...) são povos, multidões, nações e línguas.” O termo “besta” vem do grego “therion”, e significa um grande e feroz animal que, simbolicamente, representa um poderoso reino. Daniel fala de quatro bestas, que representariam os quatro grandes impérios que dominariam o mundo. Já em Apocalipse, encontramos apenas duas bestas, a que emerge do mar, e a que aparece sobre da terra. A primeira besta do Apocalipse equivale à quarta besta do Livro de Daniel, isto é, o poderoso Império Romano. É interessante que, de acordo com as descrições de João, esta besta possui características inerentes a cada uma das quatro bestas do Livro de Daniel.



1. Dez Chifres - Representam os reis das dez províncias romanas, responsáveis por manter a união da Roma Imperial.



2. Semelhante ao Leopardo - Representa a velocidade com que o reino grego alcançou suas conquistas.


3. Pés como de urso - Representa a força, estabilidade e consolidação, características encontradas no Império Persa.


4. Boca como de leão - Representa a ferocidade ameaçadora da monarquia babilônica.


Como se não bastasse reunir as principais características dos impérios que o antecederam, João afirma que “o dragão deu-lhe o seu poder, o seu trono e grande autoridade” (Ap.13:2b). Foi no tempo de Nero que Roma insurgiu-se contra a Igreja pela primeira vez. É interessante frisar que durante um tempo de seu reinado, Nero parecia um homem sensato, coerente, seguidor fiel dos ensinos de Sêneca. Repentinamente, Nero ficou irreconhecível, transformando-se num homem cruel, capaz de mandar executar a própria mãe. Era como se houvesse sido possuído pelo próprio Satanás. No documento cristão primitivo conhecido como Ascensão de Isaías, lemos que Belial [1] “descerá do seu firmamento sob a forma de um homem, de um rei ímpio, assassino de sua própria mãe”. [2] Roma agora, seria a agência oficial de Satanás em sua pretensão de dominar a terra, ao mesmo tempo que seria o instrumento da Justiça Divina sobre o povo rebelde que recusara a oferta de salvação na pessoa do Messias.


João vê “uma de suas cabeças como golpeada de morte, mas a sua chaga mortal foi curada”(v.3a). A besta tinha 7 cabeças, que segundo a explicação dada a João, seriam sete reis, sendo que, cinco já haviam caído, um existia, e outro ainda não era chegado. Confira a relação dos sete, e identifique o imperador em questão.



1- Augusto

2- Tibério (14-37 d.C.)
3- Calígula (37-41)
4- Cláudio (41-54)
5- Nero (54-68)
6- Vespasiano (69-79)
7- Tito (79-81)


A “cabeça golpeada de morte”, certamente é uma alusão a Nero, que por não suportar a pressão sofrida por parte do Senado, que o considerava inimigo público, preferiu suicidar-se, ferindo-se na garganta com uma espada. Com a morte de Nero, o Império Romano ficou em frangalhos. Muitos cristãos que sobreviveram à perseguição neroniana, e que agora eram oficialmente proscritos, devem ter entendido os horrores que sobrevieram a Roma como um ato de juízo divino. Tudo indicava que Roma estava com os seus dias contados. Eclodiam revoltadas em várias províncias. As tropas do Reno tentaram estabelecer seu comandante, Vergínio Rufo, como o novo imperador. Foi aí que descobriu-se que “um imperador podia ser feito fora de Roma”[3] A Guarda Pretoriana posicionou-se a favor de Galba, que ironicamente, acabou assassinado pelos próprios pretorianos que o exaltaram. Oto, que era governador na Espanha, cortejando as simpatias das tropas locais, foi declarado imperador. Mas as legiões do Reno nomearam Vitélio, e marcharam sobre a Itália. Em meio a este tumulto, as províncias orientais proclamaram Vespasiano como o legítimo imperador de Roma. Antes que se findasse o ano de 69, as tropas de Vitélio foram derrotadas, e Vespasiano tornou-se o único imperador de Roma. Enfim, o conturbado Império, como a Fênix, parecia renascer das cinzas. Por isso, Vespasiano é considerado o sexto imperador, vindo logo após Nero. A Besta se recuperara da chaga mortal que a atingira na cabeça. Por isso, “toda a terra se maravilhou, seguindo a besta”(v.3b). Roma voltara a ser o que era antes.


Vespasiano deu origem a uma segunda dinastia em Roma, a Flaviana ( a primeira começou com Augusto César e terminou com Nero ). Ele foi sucedido por Tito, o mesmo que comandou a destruição de Jerusalém, que por sua vez foi sucedido por Domiciano, seu irmão.


Ainda sobre o conturbado hiato entre as duas dinastias, representadas por Nero e Vespasiano, centenas de anos antes, Daniel anteviu tais acontecimentos. Leia atentamente o seu relato:
"Então tive o desejo de conhecer a verdade a respeito do quarto animal, que era diferente de todos os outros, muito terrível, cujos dentes eram de ferro, e as unhas de bronze - animal que devorava, e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobrava. Também tive desejo de conhecer a verdade a respeito dos dez chifres que tinha na cabeça, e do outro que subia, diante do qual caíram três, isto é, daquele chifre que tinha olhos, e uma boca que falava com vanglória, e parecia ser mais robusto do que os seus companheiros (...) Disse-me ele: O quarto animal será o quarto reino na terra, o qual será diferente de todos os reinos e devorará toda a terra, e a pisará aos pés, e a fará em pedaços. Quanto aos dez chifres, daquele mesmo reino se levantarão dez reis. Depois deles se levantará outro, o qual será diferente dos primeiros, e abaterá três reis.” DANIEL 7:19-20, 23-24.
Para que Vespasiano se firmasse como o único Imperador de Roma, três outros precisariam ser abatidos, Galba, Oto e Vitélio. Vespasiano trouxe de volta a harmonia ao Império. As províncias se unificaram novamente, e a Pax Romana revigorou-se.


Tanto Daniel quanto João dizem que a Besta recebeu “uma boca para proferir arrogâncias e blasfêmias, e deu-se-lhe autoridade para continuar por quarenta e dois meses. E abriu a sua boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar do seu nome, e do seu tabernáculo e dos que habitam no céu. Também foi-lhe permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los. E deu-se-lhe poder sobre toda tribo, língua e nação”(Ap.13:5a,6-7 compare com Dn.7:8b, 20-22,25). [4]


A perseguição aos cristãos iniciada por Nero, só foi retomada por Domiciano, o segundo filho de Vespasiano. Cada um dos atributos apresentados acima são inerentes a ele. Entre muitas coisas excentricidades, Domiciano insistia com a ideia absurda de que era “deus”, e por isso, deveria ser adorado. Aliás, foi esse o estopim que deflagrou uma perseguição sem precedentes à Igreja Cristã. João nos informa em seu relato, que “todos os que habitam sobre a terra a adorarão, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. Se alguém tem ouvidos, ouça. Se alguém deve ir para o cativeiro, para o cativeiro irá. Se alguém deve ser morto à espada, necessário é que à espada seja morto. Nisto repousa a perseverança e a fidelidade dos santos”(vs.8-10). A partir daí, os algozes já não seriam os judeus, propriamente, mas a Roma Imperial.


A Besta que subiu da Terra


Para identificarmos a segunda besta, precisamos identificar sua origem. Enquanto a primeira emerge do mar (nações gentílicas), a segunda sobre da terra, que é uma alusão clara a Israel. Trata-se de uma estrutura de poder originária da nação judaica. Esta besta se apresenta com dois chifres “semelhantes aos de um cordeiro”, o que denota uma estrutura de apelo religioso. Se os dez chifres da primeira besta representam dez reis, é plausível inferir que os dois chifres da segunda besta representem duas autoridades religiosas, ou mais provavelmente, duas facções religiosas. Se for assim, podemos identificá-los com os dois principais e mais influentes grupos religiosos da época: os escribas [6] e os fariseus [6].


João diz que aquela besta se apresentava como um cordeiro, “mas falava como dragão”(v.11). Isso se encaixa bem na descrição que Jesus deu de alguns líderes religiosos judeus de Sua época. Jesus, o verdadeiro Cordeiro de Deus, afirmou que eles não entendiam a Sua linguagem. “Vós pertenceis ao vosso pai, o diabo”, declarou Ele, “e quereis executar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, pois não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, pois é mentiroso e pai da mentira”(Jo.8:44). Por trás da aparência de cordeiro, havia uma natureza diabólica. Pele de cordeiro, voz de dragão! Foi Jesus quem os denunciou, dizendo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de intemperança (...) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos, e de toda imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade (...) Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?”(Mt.23:25,27-28,33). Jesus chega a chamá-los de “filhos do inferno”(Mt.23:15).


Está mais do que claro que a segunda besta nada mais é do que o judaísmo apóstata, com os seus dois principais partidos religiosos, os escribas e os fariseus. Sua hipocrisia era tamanha, que eles se diziam defensores dos interesses romanos. Por isso é dito que a segunda besta “exercia toda a autoridade da primeira besta na sua presença, e fazia que a terra e os que nela habitavam adorassem a primeira besta, cuja chaga mortal fora curada”(13:12). Exemplos disso podem ser encontrados em diversos episódios, onde os judeus afirmavam total lealdade ao poder imperial. Quando Pilatos tentava soltar Jesus, os judeus em uníssono gritavam: “Se soltares a este, não és amigo de César. Qualquer que se faz rei se opõe a César”(Jo.19:12b). No dia da preparação da Páscoa, Pilatos tentou pela última vez dissuadir os judeus. Trazendo Jesus perante eles, disse: “Eis o vosso Rei. Mas eles gritaram: Fora! Fora! Crucifica-o! Perguntou-lhes Pilatos: Hei de crucificar o vosso Rei? Responderam os principais sacerdotes: Não temos rei, senão César. Finalmente Pilatos o entregou para ser crucificado”(vs.14b-16). Quão caro lhes custou tal hipocrisia! [7]



Uma interpretação alternativa plausível seria identificar os dois chifres daquela besta como sendo “os falsos cristos” e os “falsos profetas” (Mt.24:24). A diferença entre eles é que, geralmente, os falsos cristos se opunham ao domínio romano, prometendo liberdade do jugo imperial aos judeus, apresentando-se assim como os verdadeiros “messias” (2 Pe.2:19). Pedro os chamou de “falsos mestres” (2 Pe.2:1). Já os “falsos profetas”, geralmente, eram aliados de Roma, e tinham como pretensão promover o culto ao imperador. Não podemos ignorar que alguns poderiam receber qualquer uma dessas alcunhas.

Não importa se os dois chifres representavam os escribas e fariseus, ou os falsos cristos e falsos profetas, ou os dois grupos ao mesmo tempo. O fato é que a segunda besta nada mais é do que a representação do judaísmo apóstata, responsável direto pela crucificação do Senhor Jesus.


Infelizmente esta interpretação conhecida como 'preterista parcial' não é tão conhecida pela igreja brasileira. Nomes reverenciados pelos cristãos protestantes criam que boa parte das profecias contidas no Apocalipse já havia se cumprido, entre as quais, as que se referem às bestas. Homens como C.H. Spurgeon, John Owen, Jonathan Edwards, e, atualmente, R.C.Sproul, Gary North, e tantos outros subscrevem tal interpretação. Aqui no Brasil tem prevalecido a escola de interpretação dispensacionalista, surgida a pouco mais de 200 anos com John Darby, e difundida através dos comentários de rodapé da Bíblia de Scofield.


Baseado nisso, posso afirmar que não há com que nos preocupar com relação ao próximo Papa. Pelo menos, não no que tange a tal especulação.


Em vez disso, deveríamos nos preocupar com sua proposta. Se será linha dura como Bento XVI e João Paulo II, ou se será mais aberto ao diálogo. Se manterá a agenda conservadora ou proporá uma mais progressista em resposta às demandas da pós-modernidade. Se reverá seu reposicionamento quanto à ordenação feminina, ao aborto, à homossexualidade, aos métodos contra-conceptivos, ou seguirá firme seu atual posicionamento. Sem dúvida, há valores que devem ser mantidos, ao passo que há outros que necessitam revisão. Particularmente, torço para que se eleja um papa latino-americano, quiçá um brasileiro, que esteja mais alinhado com as aspirações dos nossos povos e que, ao mesmo tempo, não tenha medo de promover um retorno às Escrituras e o rompimento com dogmas que não sejam por elas amparadas.


Para quem se interessar mais sobre nossa linha de interpretação escatológica, recomendo a leitura dos seguintes sites:

Apocalipse Desvendado
Escatologia Reinista
Escatologia Sem Censura



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