A exegese não se ocupa apenas da normatização das regras do texto bíblico, mas também do estudo e da pesquisa dos diversos métodos empregados na análise e interpretação de textos.
A exegese como ciência da metodologia bíblica, investiga o progresso de várias ciências congêneres como o estruturalismo, a semiótica, a lingüística entre outros ramos da gramática, literatura, estilística, poesia, retórica e áreas congêneres. Consequentemente, a ciência exegética está em constante construção pesquisando e adotando o que cada período traz de contribuição à compreensão do texto bíblico.
Logo, a exegese não se limita a uma norma, pois a diversidade do texto bíblico exige o emprego de métodos variegados, conforme a exigência do próprio objeto. O método histórico-crítico, por exemplo, como afirma o exegeta capuchinho Wilhelm Egger, é “um conjunto de métodos” [1] empregados na leitura diacrônica das Escrituras. De acordo com o mesmo literato, a “multiplicidade dos aspectos do texto requer uma pluralidade de métodos”.
Todavia é necessário distinguirmos o método do objeto a ser conhecido. A Bíblia é o objeto a ser pesquisado, a realidade a cujo estudo se dedica o exegeta; o método, por outro lado, corresponde ao conjunto de procedimentos que o hermeneuta emprega na realização da pesquisa e compreensão do objeto.
O conhecimento do sujeito a ser pesquisado, portanto, é a priori ao método. Em razão de ser anterior ao método é muito mais importante e significativo do que a metodologia que, a posteriori, depende do próprio objeto de estudo. A inversão desse princípio pode incorrer em inexatidões e acarretar prejuízos à pesquisa.
Na história, principalmente na época do iluminismo alemão (Aufklärung), muitos exegetas e teólogos elevaram os métodos racionalistas acima da Sagrada Escritura. Eles exaltaram o método e criticaram ácida e intensamente o objeto que se propunham investigar. O método, para alguns deles, era mais superior do que a Bíblia, o objeto a ser investigado. A lógica racionalista dos teólogos, exegetas e filósofos cristãos era a de que a Escritura não passava de um livro humano e, como qualquer outro, passível a todos os tipos de métodos racionais destinados a obras plurisseculares.
Embora pretendessem possibilitar à investigação científica da Bíblia e conciliar a literatura e história bíblicas à razão iluminista, essa premissa hermenêutica rompeu com alguns pressupostos históricos, doutrinários e dogmáticos, entre eles, o de que a Bíblia é a Palavra de Deus – a revelação epistemológica de Deus aos homens.
O método, seguido de premissas extraídas do racionalismo alemão e do deísmo, ignorou o caráter divino da Escritura, sobrepondo a técnica ao objeto a ser pesquisado. Embora a Escritura comporte o exercício das técnicas racionais de investigação, o método não é superior à própria Bíblia.
A passos estugos, devemos acrescentar que, uma vez que o exegeta não é uma tabula rasa, deve, com muito critério, indagar à validade de suas pressuposições e verificar até onde suas premissas interferirão em seu labor. O teólogo liberal Rudolf Bultmann, em seu artigo denominado É possível a exegese livre de premissas? argumenta que o ideal é que o intérprete não presuma o resultado da exegese. Porém, o exegeta é um indivíduo que traz consigo a cultura, a tradição religiosa, preconceitos e conceitos que, por vezes, determinam o resultado da pesquisa, tornando-a questionável.
Infelizmente, diversos exegetas cristãos têm como premissa fundante de seu labor exegético, o naturalismo de Baruque Spinoza, o ceticismo e anti-sobrenaturalismo de David Hume (1711-1776), o evolucionismo de Charles Darwin e, consequentemente, o historicismo progressivo de George Wilhelm Hegel (1770-1831), e o existencialismo de Soren Kierkegarrd (1813-1855).
O desfecho dessas (im) posturas em relação à Bíblia é largamente difundido na história da exegese cristã. Portanto, na exegese bíblica o método não é considerado absoluto e infalível, essas prerrogativas são pressupostos unicamente do objeto a ser pesquisado, a Sagrada Escritura.
Metodologia da Exegese Bíblica
Jerônimo, exímio exegeta das Escrituras
Uma leitura bíblica que podemos chamar de eficaz ou científica é aquela que usa uma metodologia capaz de conduzir o leitor ao correto significado do texto. Assim sendo, tal qual Filipe, a exegese se propõe a conduzir, liderar, ou guiar o estudante das Escrituras na compreensão ou entendimento do texto bíblico. Conforme a concepção de Schnelle, a exegese é um processo de leitura, aprendizado e compreensão dirigido metodologicamente, cujo objetivo é realizar um inventário das dimensões históricas e teológicas dos textos.[6]
A primeira função da exegese bíblica é entender a tessitura do texto, compreender a trama que dá azo a mensagem do hagiógrafo. Para o cabal entendimento dessa assertiva, julgo necessário deslindar o significado de tais proposições tendo como base os textos de Mateus 13.36, Atos 8.30-38 e Hebreus 5.11:
1. A exegese envolve uma leitura técnica das Escrituras, nem sempre acessível a um grande número de leitores.
2. Há um hiato entre leitura e compreensão. É possível ler e não entender.
3. A leitura de uma perícope se realiza através de diversos níveis: edificação, liturgia, catequese, dogmática, exegese.
4. O tipo de leitura orienta a práxis interpretativa.
5. Os textos da Escritura apresentam complexidades léxicas, literárias, históricas, culturais, proféticas, litúrgicas e teológicas nem sempre acessíveis ao leitor fugaz.
6. Não é apenas necessário, mas também plausível que se explique a perícope.
7. A explicação do texto deve conduzir a edificação, exortação, consolação e a Cristo.
8. Certas explicações exigem maturidade e disposição de vontade de quem ouve e de quem a explica.
Metodologia da Exegese Bíblica
O emprego do termo exegese não está limitado ao sentido etimológico anteriormente expendido, mas estende-se de seu significado primário à exegese como metodologia aplicada às Sagradas Escrituras. Metodologia da Exegese Bíblica, portanto, é a organização e análise sistemática dos processos que devem orientar a investigação científica da Bíblia. Consiste na aplicação dos princípios racionais de investigação usados em documentos plurisseculares com o propósito de apreender o estilo literário de cada autor, a estrutura da obra, as formas literárias do conjunto, entre outros. É o conjunto de procedimentos científicos empregados com o propósito de explicar o texto em sua diversidade.
O uso de uma metodologia na exegese do texto bíblico não é fortuito, mas cumpre duas funções específicas: viabilizar a obtenção do conhecimento científico da Bíblia e possibilitar a sistematização lógica desse saber. O método em exegese, por conseguinte, requer o emprego de uma ordem com a qual diferentes processos serão empregados para alcançar determinados resultados. Entende-se por processo, a forma como determinada técnica é aplicada, isto é, o modo específico de executar o método.
Tipos de leitores
O leitor crítico da Sagrada Escritura distingui-se do fugaz, que se apressa em sua leitura, e do fugidio, que teme o desafio hercúleo de compreendê-la em seus matizes. Esse leitor operante além de saber o que pesquisar, e como investigar, sabe muito bem como ordenar os conhecimentos obtidos.
O seu conhecimento não está fundamentado única e precisamente nos sentidos, como o leitor fugaz; na experiência, como o leitor fugidio; ou em sua espiritualidade, como insistem os místicos e pneumatikos, mas nos princípios técnicos subsidiados pela razão iluminada que, à maneira agostiniana, recebe a comunicação da luz divina e, através dela, a inteligência é capaz de atingir o verdadeiro conhecimento. A cognoscibilidade disposta e aberta à iluminação divina.
De modo algum essas proposições indeferem a espiritualidade do exegeta, no entanto, não reconhece que esta seja uma autoridade suficiente em si mesma para interpretar o texto bíblico em seus matizes filológicos e histórico-culturais. Espiritualidade e exegese são recíprocos, e ninguém convicto de sua sanidade mental dissociaria uma da outra. A respeito dessa temática falaremos mais adiante, portanto, retornemos à assertiva principal.
A exegese como metodologia bíblica não circunscreve-se a extrair o sentido dos textos através de normas e princípios hermenêuticos, mas como ciência bíblica, além de ensinar os métodos de interpretação de textos e o modo de aplicá-los corretamente, formula, estuda e critica os métodos de interpretação aplicados ao texto bíblico. Temos então um caráter tríplice da ciência exegética: normatização, pesquisa e crítica.
Ler e Compreender: Atos necessários à Exegese
A “exegese bíblica é a extração, explicação, narração ou interpretação dos textos bíblicos”. No entanto, o comentário da perícope bíblica, tradicionalmente chamado de exegese, somente é realizado pelo exegeta após a compreensão do texto em análise. Portanto , antes de explicar o texto é necessário compreendê-lo. Essa dimensão da interpretação foi captada maestricamente pelo filósofo do sentido, Paul Ricoeur, quando afirmou que “a exegese se propõe a compreender um texto a partir de sua intenção, sobre o fundamento daquilo que esse texto significa”.[1]Logo, a exegese quanto ciência da interpretação, se ocupa da compreensão e explicação do texto; isto é, do entendimento, elucidação do cuntextum, de sua trama, contextura e das conexões lógicas que existem entre as diferentes partes do texto a fim de torná-lo coerente. De acordo com James R. White, a exegese é o processo de compreender o texto da Bíblia em seu próprio contexto.[2] Isto posto, dois binômios são necessários à tarefa da exegese: compreender e explicar. O primeiro procede da investigação metódica e conscienciosa do exegeta, enquanto o segundo, do resultado derivado da análise.
Ao afirmarmos que a Exegese é a ciência da compreensão e explicação de textos, isto quer dizer que devemos acima de tudo entender que na prática existe um abismo entre “ler” e“compreender”, embora no grego neotestamentário as duas palavras estejam etimologicamente relacionadas. É possível ler um texto das Escrituras e não compreender o sentido ou a mensagem do mesmo. O eunuco de Atos 8.30-35 lia mas nãocompreendia. Vejamos rapidamente esse pormenor. Embora não perceptível na língua portuguesa, no grego do Novo Testamento, Filipe usa dois verbos cognatos: ginōskeis traduzido pela ARA e TEB por “compreender”, NVI por “entender”, mas por extensão “ter ou tomar conhecimento”; e, anaginōskeis , procedente da preposição ana que emcomposição inclui o sentido de “sobre”, e ginōskō , traduzido em diversas passagens por “saber”, “conhecer”, “vir a conhecer”, “entender”, “compreender” (Mt 13.11; Mc 4.13; Jo 8.32, 43; 14.7). O significadoprimário de anaginōskeis é “lendo em voz alta” e, o uso do verbo no imperfeito no versículo 28 (aneginosken), descreve uma ação inacabada, que está em curso ou duração; por essa razão, Filipe ouvi-o lendo o profeta Isaías (v.30) – não é sem razão que os gregos ainda hoje usam o termo anagnostikós como referência ao gosto pela leitura.
Ao afirmarmos que a Exegese é a ciência da compreensão e explicação de textos, isto quer dizer que devemos acima de tudo entender que na prática existe um abismo entre “ler” e“compreender”, embora no grego neotestamentário as duas palavras estejam etimologicamente relacionadas. É possível ler um texto das Escrituras e não compreender o sentido ou a mensagem do mesmo. O eunuco de Atos 8.30-35 lia mas nãocompreendia. Vejamos rapidamente esse pormenor. Embora não perceptível na língua portuguesa, no grego do Novo Testamento, Filipe usa dois verbos cognatos: ginōskeis traduzido pela ARA e TEB por “compreender”, NVI por “entender”, mas por extensão “ter ou tomar conhecimento”; e, anaginōskeis , procedente da preposição ana que emcomposição inclui o sentido de “sobre”, e ginōskō , traduzido em diversas passagens por “saber”, “conhecer”, “vir a conhecer”, “entender”, “compreender” (Mt 13.11; Mc 4.13; Jo 8.32, 43; 14.7). O significadoprimário de anaginōskeis é “lendo em voz alta” e, o uso do verbo no imperfeito no versículo 28 (aneginosken), descreve uma ação inacabada, que está em curso ou duração; por essa razão, Filipe ouvi-o lendo o profeta Isaías (v.30) – não é sem razão que os gregos ainda hoje usam o termo anagnostikós como referência ao gosto pela leitura.
À semelhança da leitura orante da Bíblia, à maneira de Carlos Mesters [3], Filipe interroga o eunuco: “Compreendes o que vens lendo?” O termo que define o sentido de “compreender” participa do mesmo campo semântico do vocábulo que determina o significado de “leitura”; pressupondo que a leitura deve nos conduzir a uma compreensão do texto, e que o próprio ato de ler leva-nos ao de compreender. Compreender, portanto, é alcançar por meio da inteligência o significado daquilo que se está lendo.Quando compreendemos o que estamos lendo, percebemos as intenções de quem escreveu e entendemos aquilo que está contido no texto.
A resposta do etíope não deixa de ser menos esclarecedora. Principalmente pelo vocábulo que o historiador usa para descrever a resposta do leitor interessado. O termo grego, traduzido por “explicar” na ARA e “ensinar” na ARC, é hodēgēsei, procedente do verbo hodēgeō,que significa “guiar”, “liderar”. O texto ipsis litteris quer dizer: “Como posso entender se alguém não me guiar”. “Guiar” na compreensão do texto. “Guiar” na exata interpretação do conteúdo, tal qual traduziu a TEB: “E como poderia eu compreender, se não tenho guia?”. Nunca é demais repisar que a leitura de um texto é o primeiro passo para compreendê-lo.
Por conseguinte, a leitura exegética do texto bíblico é, inicialmente,diacrônica, pois está interessada no desenvolvimento histórico do texto, depois, sincrônica, pois situa-se no centro de origem lingüística, histórica e social a que está inserido.
Por fim, apresenta ao homem e a igreja contemporânea a mensagem das Escrituras conforme as suas interrogações e dilemas. Filipe explica o texto ao eunuco etíope e, a partir do contexto do profeta Isaías, “anunciou-lhe a Jesus” (At 8.34,35).
Exegese e a Evangelização
A explicação e narração do texto sagrado foram além do invólucro dos sinais semânticos e das sínteses culturais, que às vezes estão longe da cultura e dos problemas daquele que ouve. Essa superação interpretativa na prática da evangelização mostra-nos que uma leitura significativa das Escrituras não é apenas documental e acadêmica, mas também, e, principalmente, evangelística e pastoral.
A leitura e comp reensão das Sagradas Escrituras devem conduzir o homem a Deus,por meio de Cristo, o LOGOS ENCARNADO. Qualquer leitura crítica da Bíblia que afaste o homem de Cristo ou da fé apostólica não cumpre os propósitos pelo qual o Verbo de Deus se manifestou (Jo 1.14).
Shökel sabiamente afirma que "a Palavra de Deus não é apenas uma informação religiosa, uma informação sobre Deus; é Deus mesmo se autocomunicando, mais ainda se auto-revelando". [4] Deus revela-se por meio do Verbo Encarnado, o Logos Theou, como também mediante a Sagrada Escritura, a revelação epistemológica. Filipe, a partir das Escrituras, anunciou o nosso Senhor Jesus ao etíope (At 8.35). O propósito pelo qual interpretou a Palavra de Deus segue-se imediatamente ao fechamento da narrativa lucana: "desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou" (At 8.38). A interpretação das Escrituras nessa perícope cumpriu certos propósitos evangelísticos e poemênicos. Isto não quer dizer que a exegese e hermenêutica bíblica limitam-se à evangelização e ao pastoreado, pelo contrário, mas que a ciência bíblica de análise e interpretação do texto sagrado não deve omitir-se na tarefa de conduzir o homem a Deus, por meio de Cristo, pois a Palavra de Deus não é conceito para a mente, mas vida para o coração.
A exegese, como metodologia da ciência bíblica, deve promover, por meio da interpretação, o encontro entre o homem e Deus. No dizer deWeiller, "a dialética da distância e da proximidade" devem ser aproximadas:
O texto escrito só produz seu verdadeiro sentido como Palavra do Deus vivo no encontro e na tensão destes dois pólos históricos. Uma releitura fiel e engajada da Bíblia, a partir do Espírito que a anima (cf. Jo 14.26), faz explodir o potencial criador da Palavra de Deus, fonte geradora da verdadeira vida. [5]