ARAMEUS
Povo ameaçadoCristãos que falam a língua de Jesus e vivem na Turquia enfrentam o risco de extinção
povo arameu e o aramaico, a língua que era falada por Jesus e os apóstolos, estão ameaçados de extinção. Os arameus são descendentes de tribos nômades da Antiguidade que povoaram a Mesopotâmia. O aramaico, idioma próximo do hebraico, foi predominante na região alguns séculos antes e depois de Cristo. Há livros do Velho Testamento redigidos em aramaico. O que hoje ameaça os arameus é o meio hostil onde vivem, uma terra árida e
quente na fronteira da Turquia com a Síria e o Iraque. Ali eles são pouco mais de 2 mil, um povo cristão que tenta preservar sua cultura e língua imerso num mundo essencialmente islâmico. Já a diáspora aramaica, por força da necessidade que têm os imigrantes de se adaptar ao país que os acolheu, perde progressivamente seus laços com o passado. O número de arameus e seus descendentes espalhados pelo mundo é desconhecido (só na Alemanha, são 45 mil).
Atualmente, o perigo mais direto para a sobrevivência dos arameus é o conflito entre a guerrilha curda e o Exército turco. Os curdos, minoria com ambições nacionais, vivem mais ou menos na mesma área em que estão os arameus. Pego no fogo cruzado, esse povo é vítima tanto dos guerrilheiros quanto dos soldados turcos. A região, na fronteira já mencionada, é chamada pelos diáconos e monges aramaicos locais, seguidores da Igreja Ortodoxa síria, de Tur Abdin. Significa "monte dos servos de Deus". Lá não se lê a Bíblia sem medo. A qualquer momento podem aparecer agentes do serviço secreto turco, que confiscam os livros sagrados. Diversas vezes os monges de Mor Gabriel, principal mosteiro de Tur Abdin, erguido há 1.600 anos, tiveram de enterrar os manuscritos antigos, escritos na língua de Jesus, para evitar pilhagens.
As mensagens de paz dos textos bíblicos não têm eco numa região onde a guerra é a única mensagem. Que o diga o arcebispo de Tur Abdin, Timotheus Samuel Aktas, um homem de barba branca e olhos tristes que tem denunciado, em vão, o isolamento e as perseguições que ameaçam seu povo. Para Aktas, os arameus não sobreviverão sem ajuda externa. "Somos seus pais, os primeiros cristãos, nos ajudem", pediu recentemente o bispo em entrevista à revista alemã Focus. "Não temos nenhum político para nos apoiar."
INTERIOR DO MOSTEIRO DE MOR GABRIEL |
A palavra "sobrevivente" descreve de modo preciso a História dos arameus. A araméia Marika Keco, de 90 anos, ainda se lembra do massacre de 1915, o grande trauma de seu povo neste século. Ela e outros anciãos de Tur Abdin ainda contam os horrores que presenciaram ou que lhes foram narrados por seus parentes: arameus enterrados vivos ou decapitados e mulheres grávidas evisceradas. Durante a Primeira Guerra, informam historiadores ocidentais, os turcos e os curdos, à época ainda unidos, massacraram pelo menos 10 mil arameus e 100 mil armênios. Os turcos prometeram entregar aos curdos nômades as terras dos arameus. Bastava que fizessem uma faxina étnica. Até hoje a Turquia e os curdos negam o massacre.
Como milhares de arameus, Marika Keco buscou refúgio, nos tempos sangrentos de 1915, em Ayinvert, aldeia situada em território turco, mas com forte presença curda. Há outra aldeia, chamada Midin, 25 quilômetros a sudeste, onde 250 arameus lutam desesperadamente para preservar costumes e tradições. É o padre, por exemplo, quem administra a Justiça. O castigo para roubo ou infidelidade é o jejum ou doações a famílias mais pobres. Os pais arranjam os casamentos dos filhos, que devem ser virgens.
Há um lago perto da aldeia, e tropas turcas aquarteladas numa de suas margens. Os militares não incomodam os camponeses, mas nunca mexeram uma palha para esclarecer alguns crimes que têm assustado os arameus. A história que todos repetem é a de Ladho Barinc, de 30 anos. Em 1994, quando ia visitar sua mulher, internada num hospital de Midyat, uma das maiores cidades da região, foi seqüestrado por desconhecidos e mantido em cativeiro durante seis meses. Seus captores o acorrentaram e surraram diversas vezes. Exigiam que se convertesse ao islamismo e só o libertaram mediante pagamento de resgate de US$ 5 mil. Solto, Barinc decidiu servir a Deus e a seu povo e hoje ensina arameu às crianças de Midin.
Os líderes arameus locais também tentam combater a emigração. Mas é difícil. No mosteiro de Mor Gabriel, a meio caminho entre Ayinvert e Midin, só há dois monges para ajudar o bispo Timotheus Aktas. Um está velho e doente, e o outro, jovem e inexperiente, não pode se encarregar de tarefas importantes. Já as 14 monjas ficaram. Elas cozinham e cuidam da limpeza do mosteiro, além de acompanhar os 28 alunos que vivem como internos. São rapazes de aldeias araméias que dificilmente seriam aceitos nas escolas turcas da região.
A primeira onda emigratória, neste século, ocorreu a partir de 1915 - eram arameus apavorados com o massacre. Mais recentemente, nos anos 60 e início dos 70, os arameus voltaram a buscar a Europa atrás dos empregos então oferecidos a imigrantes. No início, estranharam os costumes ocidentais, mas aos poucos se integraram, dedicando-se sobretudo ao comércio. Não é, contudo, uma integração total. Os pais insistem em ensinar aos filhos as tradições e a língua. Todos se orgulham do passado, mas as novas gerações quase não entendem mais o significado dos hinos cantados em festas ou cerimônias religiosas.
Muitos arameus na Europa ainda sonham com a paisagem e as imagens de Tur Abdin, que guardam na memória, mas fingem não perceber como é frágil a situação daqueles que ficaram - justamente os responsáveis pela manutenção da identidade aramaica.
Schlomo, a saudação comum entre os arameus, significa paz, mas isso eles ainda não encontraram.
EXTRAIDO DA REVISTA:
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